A Biotecnologia promete mudar o planeta. Da alimentação às relações familiares, passando, é claro, pelo trabalho.
Por Ruy Leal*

Prepare-se para mais uma revolução em sua vida. Não bastando a globalização, que colocou de cabeça para baixo a carreira de inúmeros trabalhadores, agora se encontra aí ao lado, quietinha, quase invisível para os olhos e mentes da maioria dos mortais, uma nova e inimaginável página nesta trajetória terrena do século XXI. Um universo novo, ainda desconhecido para quase todos, mas imenso em seu tamanho, provavelmente ocupando uma dimensão paralela pelo espaço que habitará, já é real e está entre nós: a Biotecnologia chegou, amigo terráqueo!

Com a Biotecnologia, o mundo que conhecemos ficará de tal maneira diferente, tão irreal para os padrões atuais que, em pouquíssimos anos, possivelmente menos de dez, estaremos enxergando o futuro por meio de uma " lente de vida " expandida.

A partir dos genes humanos, identificados e seqüenciados, da engenharia genética e da alimentação transgênica, o ser humano terá seu tempo de vida " naturalmente " aumentado. E pensar que se trata somente do começo desse novo e excitante capítulo na épica evolução da humanidade.

É tamanha a certeza de aumento da expectativa de vida, já que os " defeitos de fabricação " poderão ser corrigidos antes e durante a existência de cada um, que é possível assumir aqui e agora a condição de " vice-deus " e " dar " a todos, em média, mais 30 anos de vida útil. E vida útil quer dizer estar produzindo, em boas condições físicas e mentais.

Para tudo há um preço. Nesse caso, a cobrança se situará na mudança brutal que ocorrerá nas relações pessoais, familiares e de trabalho que cada um certamente experimentará. Por exemplo, nas relações pessoais: vivendo melhor e maus saudavelmente, como você administraria suas amizades, agora de longuíssimo prazo? Suportaria o amigo que lhe deve aquela grana há tanto tempo na sua memória geneticamente renovada de elefante? Toleraria outro que sempre insistiu em chorar nos seus ombros todas nove vezes em que descasou?

BAILE DA QUARTA IDADE
Nas relações familiares, a mudança se insinuará pelos caminhos de convivência que ultrapassará os limites do conhecido " morar com a sogra ", indo desaguar no " morar, também, com a mãe da sogra ". Já imaginou atender a velhinha em seus desejos mais fora de propósito, assim como levá-la e buscá-la, quase todas noites (chuvosas), aos bailes da quarta idade?

As mudanças no campo profissional não serão menos dramáticas. Mais vida útil, mais tempo produtivo, mais necessidade de se sentir necessário. Como numa roda virtuosa de vida, paixão e realização, discussões não se limitarão ao estabelecimento de prazos legais para a obtenção da aposentadoria, como se faz hoje. Afinal, ficará impensável botar o pijama aos 65 anos, o seu momento profissional mais criativo e produtivo nesta Era da Biotecnologia.

As discussões deverão ocorrer muito mais no campo do aproveitamento do tempo agregado de vida útil, utilizando os conhecimentos adquiridos e atualizados constantemente numa única profissão ou não. Atuar em mais de uma país ou num único, mas agindo profissionalmente em vários? Olha a tecnologia globalizada aí, gente!

NOVO PARADIGMA
De fato, contendas estarão situadas em campos desconhecidos, novos em seus formatos, para serem ainda aplainadas no plano ético e, sendo discutidas sob óticas religiosa, bioética, moral e legal. Não vai ser fácil estabelecer esse novo paradigma, mas será absolutamente necessário o seu entendimento.

Bancos de órgãos criados pela engenharia genética a partir das células " T " com o objetivo de substituir órgãos defeituosos, sem precisar de transplante entre corpos e sem o lotérico perigo da rejeição como ocorre hoje; alimentos transgênicos desenvolvidos pelo homem para alimentar e prevenir doenças, com pouquíssimo ou sem os defensivos químicos utilizados atualmente; remédios desenvolvidos a partir da identificação do mapa genético de cada um, que combaterão doenças instaladas com eficácia " à la carte " e prevenirão, como se fossem vacinas, outras que iriam aparecer muitos anos depois. Isso não é ficção! É realidade que está aí, a um passo da nossa história e trajetória. Questões frontais deverão, obrigatoriamente, ser discutidas, a fim de não se encaminhar para a criação de sub-raça humana, composta pelos bilhões de excluídos que não teriam acesso a esse mundo renovado de saúde e vida, ou super-raças, se comparadas aos atuais " simples mortais ". Como também fatos relacionados a empresas que tentem contratar seus funcionários após análise do mapa genético dos candidatos. Possivelmente serão, legal e eticamente, impedidas.

Uma coisa é certa: a velocidade na obtenção de novos conhecimentos é altíssima, e os trilhos que sustentam esse trem suportam novas e exponenciais evoluções nessa infindável corrida na busca de uma vida melhor e mais digna para todos.

* Ruy Leal é superintendente geral da ONG Instituto Via de Acesso